quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Passos pelo mundo...

"Vinte. Esse é o número de passos que ele dá antes de parar e resmungar. Antes de abaixar a cabeça, soltar as mãos do andador e pedir em um vocábulo apenas maternalmente enteligível: me tire daqui. Eu não me importo. Faço de conta que não vi. Papai também tenta não se importar. Faz de conta que não. Em verdade, fica frustrado assim como eu, mas não é coisa que se deve demonstrar. Somos pais "especiais", somos fortes... Quanta besteira. Somos pais. Só isso. Pessoas. Seres humanos. Fraquejamos nesse momento porque vinte é, de fato, muito pouco. vinte...sério? E as seis horas de fisioterapia semanais, somadas às duas horas de hidroterapia, somadas as duas horas de TO, somadas às dez horas de treino no andador? Isso sem falar no quanto nos dedicamos a você - pensa ele, em silêncio, mas se lê no seu olhar -. "Não tô a fim, papai". É o que a gente interpreta daquele abaixar de cabeça afadigado. "Hoje não mais. Cansei." E seu cansaço não dói somente em você, filho. Dói em mim, no seu pai, em sua irmã... Dói a dor da impotência. A dor da impossibilidade da intransponibilidade de corpos, a dor de não poder sentir a sua dor, toda sua, toda nossa. E aí você descansa, merecidamente. A gente respeita seu descanso por algumas frações de hora. Retomamos, então, no abrir dos seus olhos, a atrasada sensação de que somos senhores do seu tempo. Do nosso tempo. Da sua evolução e desenvolvimento que teimam em desafiar os ponteiros do relógio... E no auge da frustração mixada ao cansaço e misturados ao sentimento do dever cumprido, que não podem de forma alguma diminuir a nossa persistência continuamos, pois, você tem que andar, não pode sentar desse jeito, cansou dessa posição, não cabe no carrinho do supermercado, precisa da cadeirinha do carro, precisa dormir agora, precisa acordar,está tentando comer sozinho...tentou te novo...olha só: já coloca a colher na boca. A gente filma, bate palmas, comemora, esse novo passo independente. É, existem relativos modos de ser "normal". Existem relativos modos de dar passos. Mas como você vai lidar com toda essa relatividade, é sua escolha. "

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